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Aguinaldo Silva não para. Desde que sua última novela, Duas Caras, saiu do ar, há um ano, na TV Globo, ele mergulhou no projeto de um seriado com estreia marcada para setembro, assumiu a supervisão da próxima novela das sete e comandou um curso de dramaturgia para aspirantes a novelistas. A língua do dramaturgo de 64 anos também não para. Na entrevista a seguir, ele critica duramente a produção global de telenovelas, que, para ele, não criou nenhuma trama "particularmente interessante" nos últimos cinco anos. "Acho que falta uma certa aplicação dos autores", dispara contra os colegas de emissora e profissão. Entre seus alvos favoritos, estão a onda politicamente correta (não, ele não cita Glória Perez, de Caminho das Índias, que adora abordar "temas" nos folhetins) e também uma espécie de censura velada vinda do Ministério da Justiça. Confira a seguir os principais trechos da entrevista do autor.
Por que as novelas estão perdendo tanta audiência?
Na verdade, não são apenas as novelas que estão perdendo audiência. A televisão está perdendo público de modo geral. Essa perda tem a ver com internet, com novos meios de mídia - tem garoto que vê televisão no celular, e isso não conta na audiência.
Mas você reconheceu, em seu blog, que a TV está carente de boas histórias...
Esse é um outro problema, que não tem a ver com audiência. As novelas, por várias razões, têm se tornado menos interessantes. Uma das causas, para mim, é a preocupação com o politicamente correto. Isso suaviza demais a linguagem do folhetim. O folhetim é tradicionalmente um gênero de excessos: o vilão faz coisas terríveis, tem uma linguagem agressiva, e as telenovelas agora estão com um pudor que as está matando um pouco. Alguns autores concordam com o politicamente correto. Eu, não. Eu acho que ser politicamente correto é ser hipócrita. As coisas têm nome, e o nome das coisas é aquele que sempre foi. Você não pode dizer que um anão é um cidadão verticalmente prejudicado. Não: um anão é um anão, entendeu? Outro problema diz respeito à originalidade. As tramas vêm se repetindo muito. Acho que falta uma certa aplicação dos autores. É como se fazer novela fosse uma coisa meio burocrática, quando não pode ser.
A classificação de conteúdo feita pelo Ministério da Justiça, com atribuição de faixas etárias e de horários, contribui para a suavização do gênero?
Sim. Um terceiro fator que prejudica as novelas hoje é a "não-censura" que existe no Brasil. Oficialmente, nós não temos censura, mas existem organismos em Brasília que fazem uma pressão muito grande sobre o gênero, uma pressão que não existe sobre o jornalismo ou os programas de entrevista. Nunca se disse quantas pessoas escrevem para os canais competentes do Ministério da Justiça reclamando das novelas. O que se diz é apenas que "pessoas escrevem". A qualquer momento, eles podem dizer que uma determinada novela não pode mais passar às 19h, tem que ser às 20h, ou às 21h. É uma coisa muito complicada, que deixa as pessoas que atuam no gênero um tanto inseguras. Você nunca sabe qual será o futuro da sua novela. Senhora do Destino foi reeditada para caber no horário [ela está sendo reexibida às 14h30], mas agora há pressões fortíssimas para que seja reeditada mais uma vez. O mais engraçado desse mecanismo é que, se você disser que existe censura, as pessoas vão dizer que não. Mas isso é censura. Não existe outro nome para essa coisa.
Que novelas chamaram a sua atenção nos últimos anos?
(Risos.) É complicado... Eu diria que as duas novelas que o João Emanuel Carneiro fez para as sete horas: Da Cor do Pecado e Cobras e Lagartos foram originais, criativas. O João Emanuel é um excelente autor de novelas das sete. Já A Favorita, que ele escreveu para o horário das oito, embora bem armada, era apenas uma colcha de retalhos de outras novelas. Acho que o autor fez isso de propósito, como uma homenagem ao gênero, mas não funcionou. Eu gostei também de Celebridade, de Gilberto Braga. Deixe ver o que mais... É complicado, porque confesso que nos últimos cinco anos não teve nenhuma novela que me parecesse particularmente interessante. Não houve uma novela que eu pudesse dizer: "Ah, essa novela foi uma novidade, essa novela foi legal".
O que dá qualidade a uma novela?
Uma boa novela tem que ter uma história original. Mesmo que seja uma história que o folhetim já explorou à exaustão, não importa. Ela tem de ser uma história contada de uma maneira original. Ou seja, a novela tem que ter uma boa história. O que faz de uma novela uma novela de qualidade é uma boa trama e personagens fortes e convincentes. Você precisa ter personagens que tenham carne. É o caso da Nazaré, de Senhora do Destino, por exemplo. A Nazaré é uma personagem que tem corpo, que tem vida, que tem uma linguagem própria. Isso é que é o segredo da novela. Eu não acredito em novelas que têm temas. Aliás, esse é um dos problemas das novelas hoje em dia. Quando um autor anuncia uma novela, ele diz: "Minha novela vai tratar dos seguintes temas: alcoolismo e não sei o quê". Novela não tem que tratar de temas. Novela tem que contar uma história. É isso o que prende o telespectador.
A próxima novela de Manoel Carlos, Viver a Vida, terá entre seus personagens uma jornalista que dará notícias ao vivo. É desse tipo de originalidade que você fala?
Eu não acho isso original. Sinceramente, isso é coisa que dá mídia. Os jornalistas vão gostar de ver uma jornalista (risos). Mas eu te confesso que prefiro ver o Jornal Nacional, em que jornalistas de verdade dão notícia de verdade. É diferente de você botar um ator numa novela fingindo que é um jornalista e dando notícia de verdade. Não é a mesma coisa. Aliás, eu acho que o sindicato dos jornalistas nem deveria permitir isso. Assim como jornalista não pode fazer o personagem principal da novela ou qualquer outro personagem, que o sindicato dos atores não deixa, e eu digo isso porque sou jornalista e sempre serei, eu acho que o sindicato dos jornalistas não deveria permitir que um ator banque o jornalista.
Como surgiu a ideia de fazer um curso sobre novela?
Antes de escrever a novela Duas Caras [encerrada em maio de 2008], fui convidado para fazer o que se chamou de uma master class em Portugal, organizada pela produtora Scriptmakers - as emissoras portuguesas não rodam novelas, elas contratam produtoras independentes para fazê-las. Meses depois, conversando com uns amigos, donos da produtora e agência de atores Barroso Pires, falei da experiência, e eles, interessados, resolveram fazer algo semelhante no Brasil. Com patrocínio da Glamour Artigos de Luxo, uma loja virtual de produtos de luxo, abrimos inscrições no meu blog e recebemos 1.136 cenas - os candidatos, que não precisavam ser profissionais, deviam escrever a continuação de uma cena retirada da novela Tieta. Selecionei 15 alunos para esta master class de maio e outros 15 que deverão participar de uma segunda edição, no começo de 2010. O objetivo do curso é o mesmo que perseguimos em Portugal: elaborar a sinopse e o primeiro capítulo de uma novela. Lá, é provável que o [canal] SIC compre o projeto.
E por aqui: a Globo poderia produzir a novela da master class?
É possível. Eu falei com o Manoel Martins, o diretor artístico da Rede Globo, e ele pediu que, uma vez prontos a sinopse e o primeiro capítulo de Marido de Aluguel, título provisório da novela da master class, eu entregue para análise. Como essa novela me pertence, se aprovada, irá ao ar em março de 2011, que é quando eu calculo voltar à grade de novelas da Globo - nós seguimos um cronograma no horário das oito: depois da Glória Perez, entram, em ordem, o Manoel Carlos, o Silvio de Abreu, o Gilberto Braga e, então, eu. Além de dois colaboradores meus habituais - Maria Elis Berredo e Nelson Nadotti -, eu escolheria quatro alunos da master class para trabalhar comigo. Eu também sugeri à Globo que fizesse uma master class própria, mas não sei se eles irão fazer.
Mas você volta ao ar ainda neste ano, com o seriado Cinquentinha. Do que se trata?
É um seriado sobre mulheres de 60 anos que se recusam a ter e a aparentar mais de 50, que é uma coisa comum hoje no Brasil. Isso envolve plástica, tratamento de beleza e academia, mas também uma atitude positiva perante a vida. São três personagens. Uma é atriz, que é a Susana Vieira. A outra é uma fotógrafa de moda, que é a Marília Gabriela. E a terceira é uma hippie tardia, que é a Renata Sorrah. Elas têm características em comum: foram casadas com o mesmo homem e têm, cada uma, um filho dele. Esse homem, que é muito rico, morre no primeiro episódio, deixando metade da fortuna para ser dividida entre os três filhos e a outra metade para uma delas: aquela que se sair melhor numa série de provas estabelecida por ele. Uma das provas é que aprendam a conviver juntas, porque são inimigas mortais. O seriado irá ao ar na primeira quinzena de setembro, às sextas-feiras, após o Globo Repórter. Esse horário é peculiar porque tem 51 pontos possíveis de audiência, um número alto. Se conseguirmos 28, já será ótimo. A primeira temporada terá oito episódios. Com boa audiência, teremos uma segunda.