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segunda-feira, 13 de julho de 2009

Som e Fúria

ESTREAR no mesmo dia da cerimônia-show fúnebre de Michael Jackson pode ter sido um golpe de azar para "Som & Fúria" (Globo, entre terça e sexta, com início variando entre 22h30 e 23h50). A série, adaptada da canadense "Slings and Arrows" por Fernando Meirelles, teve de concorrer com a comoção planetária. Por outro lado, pode também ter sido um golpe de sorte: numa coincidência incrível, no primeiro capítulo (serão 12 no total) também houve uma cerimônia fúnebre, concebida mais ou menos nos mesmos moldes do "memorial" de MJ. O morto em questão é o diretor acomodado e decadente de uma companhia shakesperiana fixa e que se tornará, digamos, o espectro que vai rondar toda a série. A ironia proporcionada pelo acaso reforça o humor, que é o traço marcante de "Som & Fúria". O funeral do capítulo de estreia acaba em desastre cômico, mas é o que devolve à companhia como diretor um sujeito ultratalentoso, inquieto e "louco". Ex-ator e amigo do diretor Lourenço Oliveira, Dante Vianna "enlouquece" de ciúme (como Otelo) da atriz principal Elen quando está fazendo um inesquecível Hamlet, que dura apenas três apresentações. Essa tensão camarada e divertida entre o diretor defunto, mas sensato, e o diretor vivo, mas meio amalucado, ambos igualmente empenhados em tirar a companhia da decadência criativa, constitui o eixo principal da série. Em torno desse núcleo, gravitam atores e atrizes, aspirantes com e sem talento, técnicos, funcionários do teatro e burocratas. Filmado no Teatro Municipal de São Paulo, a série revela um universo pouco conhecido ao público de televisão -os bastidores do teatro, com ensaios, dificuldades de botar de pé uma encenação teatral e brigas pelo dinheiro. E, claro, ali encena-se Shakespeare, o que tem a vantagem adicional de desmitificar o autor -há mesmo uma preocupação didática, no melhor sentido, de traduzir em miúdos algo do sentido das peças, dos personagens etc. Não se pode deixar de dizer que o projeto de Meirelles é, digamos, confortável -trata-se de uma adaptação, afinal. Isso, entretanto, é um pouco a marca do diretor: apostar em projetos de cara vencedores e fazê-los com capricho e, neste caso, bastante graça. Não é pouco e, além disso, pode apontar um caminho para as séries brasileiras. Há muito sobre a competência narrativa das séries do mundo de língua inglesa a aprender e, talvez, como já se faz com a telenovela, a adaptação seja um excelente jeito.